terça-feira, 10 de julho de 2012

Opinião: Um cineasta com a febre do rato

Cláudio Assis recebe prêmio em Paulínia (Foto: Aline Arruda/Agência Foto)

Cláudio Assis sempre foi polêmico, característica que se reflete diretamente em sua curta filmografia. “Amarelo Manga” e “Baixio das Bestas”, os dois primeiros longas do diretor, são retratos crus e cruéis do que há de pior na desgastada sociedade brasileira contemporânea, da violência latente ao sexo brutal, focando a exploração da miséria e angústia humanas. Não são filmes fáceis de assistir, mas é uma realidade que não pode ser ignorada.
Ignorar Cláudio Assis também não é recomendado, pois se ele não possui papas na língua é porque tem a coragem (ou loucura) de dizer o que muita gente não tem por conta das convenções e fachadas sociais que cobrem os bastidores do cinema. O cineasta, que está lançando seu novo filme, “Febre do Rato”, deu diversas declarações ousadas em entrevistas e sessões de pré-estreia do último trabalho. 
Cena de “Febre do Rato”, no filme de Cláudio Assis.
 A expressão designa figurativamente uma pessoa que está fora de controle, assim como o cineasta.

Ao portal de notícias G1, Cláudio afirmou que o “cinema brasileiro é feito por babacas”. Disse ainda que é um poeta que faz poesia com seus filmes, e que violência é permitir que um filme como “E aí... Comeu?” seja divulgado a nível nacional. “É isso que está educando a sociedade? Isso é nojeira, excrescência, escraviza o olhar”. O diretor clama por mais atenção ao cinema periférico de regiões como Ceará e Pernambuco, onde, segundo ele, se produz filmes de qualidade.
O ataque não foi somente ao nicho comercial do cinema brasileiro. Na pré-estreia de “Febre do Rato”, no Rio de Janeiro, antes do filme começar, Cláudio declarou que faz “cinema com verdade, com tesão, com vontade”, acrescentando que Walter Salles “escraviza o olhar”. Finalizou declarando que “posso errar, mas com o orgulho de saber que meu filho vai sempre saber que não sou um vendido”, afirmando sua posição contra produções que visam ao lucro ou ao acúmulo de prêmios. Salles esteve em Cannes no mês de maio para a estreia de “Na Estrada”, produção estadunidense que contava com Kristen Stewart, da Saga Crepúsculo, no elenco.

Walter Salles e Kristen Stewart na première de “Na Estrada” em Cannes 
(Foto: Jean Paul Pelissier/Reuters)

Alguns podem pensar que tais declarações são uma forma de ganhar publicidade para si. Talvez sejam, afinal, é difícil por um filme de Cláudio Assis na tela. Foram quatro anos entre “Baixio das Bestas” e o final da produção de “Febre do Rato”, e mais dois anos para que este pudesse ser lançado, mesmo assim em apenas três salas no Brasil. Com um estilo tão autoral e difícil, é claro que Assis não quer fazer cinema pra vender, como já declarou antes, mas isso não quer dizer que ele não queira ser visto, muito ao contrário.  “Se esse filme der certo, vai ter uma explosão de cinema neste país. Quero muito que as pessoas vejam, se interessem. É um filme libertário”, disse ele, em entrevista ao G1. Há uma clara vontade de mudança partindo de Cláudio.
Falas como as de Cláudio Assis podem até ser descabidas, mas são necessárias no despertar de uma consciência inerte no brasileiro, que costuma dar prioridade, dentro do espectro nacional, a produções vazias e vendáveis como “Se eu Fosse Você” e “Cilada.com”. Claro que não se pode esperar mais de filmes como esses além do intuito de entreter e divertir, mas há certa “escravização do olhar” quando se dá ampla margem de divulgação a um tipo de cinema como esse em detrimento de outro. É uma alienação e, como tal, deve ser combatida para que haja uma democratização na produção cinematográfica nacional. Assim, quem sabe, veremos a utopia pedagógica do crítico francês André Bazin, que queria ver o “público comum” sensibilizado com os “filmes de arte”, exigindo obras cada vez mais profundas e melhorando a média de produção de conteúdo fílmico. Hoje, infelizmente, esse público parece passar longe de filmes como “Febre do Rato”.



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