Programas e novelas com temas
populares sempre existiram na televisão brasileira, mesmo que em menor escala e
de forma mais discreta. A figura de Chacrinha, por exemplo, é emblemática na TV
popular, bem como a de Regina Casé, que protagonizou tantos programas “Classe
C”, entre eles o popularíssimo “Esquenta!”, do qual ainda falaremos; A Grande
Família, no ar há dez anos, representa com humor o cotidiano da classe C. Os
programas de auditório comandados por Silvio Santos, Fausto Silva e Gugu
Liberato também são exemplos claros.
A programação popular já existia,
mas o subúrbio e as comunidades de baixa renda sempre foram retratadas de forma
secundária ou fazendo parte dos núcleos cômicos, nunca das tramas dramáticas e
principais das novelas, por exemplo. Isto vem mudando nos últimos anos, a
exemplo de: Senhora do Destino (2004), em que a protagonista era uma emergente
nordestina que sobe na vida, mas fica no subúrbio; Duas Caras (2007), em que
Juvenal Antena é o fundador de uma favela onde não há traficantes, só
trabalhadores; Fina Estampa (2011), na qual a personagem de Lilia Cabral ganha
na loteria, mas não abandona o subúrbio.
A bola da vez são as novelas das
19h e das 21h da Globo: Cheias de Charme e Avenida Brasil já se consolidaram
como sucessos de audiência, trazendo tramas que se passam em subúrbios e
comunidades, e contam as histórias da Classe C de forma inédita. Na primeira,
as personagens principais são um trio de empregadas que se tornam cantoras
profissionais e estouram como sucesso nacional, rodeadas por personagens
musicais como Fabian (Ricardo Tozzi) e Chayene (Cláudia Abreu), inspirados em
cantores do universo tecnobrega e sertanejo atual.
As Empreguetes. Leandra Leal, Isabelle Drummond e Taís Araújo em Cheias de
Charme. Fonte: Globo
Avenida Brasil, de João Emanuel
Carneiro, vai mais profundo em seu mergulho na vida suburbana: desde à
abertura, com a música “Vem dançar Kuduro”, ao palco principal da trama, o
Divno, à inversão do núcleo cômico da novela do subúrbio para a elite (a
exemplo da personagem Cadinho ), a forma como a novela é filmada e como se diz
o texto (por vezes ouve-se burburinhos, vozes se sobrepõem), a trilha sonora, a
composição dos cenários; tudo se volta para o popular, de maneira inteligente.
A personagem principal, vivida por Débora Falabella, abandonada num lixão
quando criança, volta disfarçada para se vingar dos que lhe prejudicaram, e a
partir daí a trama se constrói de maneira ágil, sem enrolações, sem noções
maniqueístas, com personagens que passeiam entre o bem e o mal, anti-heróis, pessoas
comuns. O ambiente de fundo, composto pelo salão de beleza, os jogadores de futebol, a figura da “periguete”,
encarnada por Isis Valverde, são mais provas de que esta não é uma novela que
abriga alguns personagens populares, somente, mas encarna e representa a
cultura, valores e o universo da Classe C.
O já citado programa Esquenta!,
idealizado e comandado por Regina Casé, é o retrato último e sem preconceitos
da classe emergente; vai ao ar por temporadas, aos domingos, e é bem como um almoço de domingo na laje: uma
festa, uma reunião de amigos, uma roda de samba e pagode. Formato
não-convencional, participações inesperadas, convidados super populares e que
intervém quando desejam, uma platéia que
parece ser genuína, e que segundo a própria Regina Casé em entrevista a Meio
& Mensagem “não tem modelos contratadas na primeira fila”, mas tem uma
capacidade de tratar dos mais diversos e complexos assuntos com leveza e humor,
como poucos na tv aberta fazem. É o Brasil se assumindo periférico,
suburbano, popular e divertido sem
breguice e afetação, invadindo a programação de uma emissora supostamente
tradicional, tal qual a Classe C vem tomando o país.
Essa “nova” classe é forte
representante de uma cultura genuinamente brasileira, e a emergência
sócio-econômica do grupo provocou mudanças na mentalidade dessa porção da população,
pricipalmente com relação ao lugar que tem conquistado na sociedade. A
televisão capta essa mentalidade, deixando de lado as “Helenas” de Manoel
Carlos e enfatizando as “Marias”, de Cheias de Charme, retirando a classe C do
papel de coadjuvante e colocando-na como protagonista de sua programação. Seja
na novela das “empreguetes”, com a dinâmica patroa-empregada sendo posta à
prova, ou em Avenida Brasil, onde o caráter e a frieza humanas são
complexamente explorados, sem medo do popular, o que há de novo na televisão
brasileira é a forma como a história do pobre que está vencendo na vida é valorizada, de forma despretensiosa
e sem esteriótipos; a mídia dá lugar à uma nova cultura, escrita com C, de
Classe.
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