domingo, 15 de julho de 2012

Opinião: Cultura escrita com C, de Classe



No Brasil de 2012 já se torna clichê falar de “Classe C”, terminologia que vem se tornando muito mais do que uma forma de designar a classe média emergente brasileira, que consolida-se a cada dia com movimento social, que não pode mais ser contido na ideia de “classe econômica”, somente. É inegável, a influência que esse boom socio-econômico na vida de uma grande parcela da população brasileira tem exercido sobre os meios televisivos do país e suas grades de programação. A “nova” classe representa 54% da população brasileira, cujo poder de compra movimenta a publicidade e a televisão no sentido de atingir esse consumidor, daí a grande investida em direcionar a programação ao popular, embora o fator econômico não seja o único.
Programas e novelas com temas populares sempre existiram na televisão brasileira, mesmo que em menor escala e de forma mais discreta. A figura de Chacrinha, por exemplo, é emblemática na TV popular, bem como a de Regina Casé, que protagonizou tantos programas “Classe C”, entre eles o popularíssimo “Esquenta!”, do qual ainda falaremos; A Grande Família, no ar há dez anos, representa com humor o cotidiano da classe C. Os programas de auditório comandados por Silvio Santos, Fausto Silva e Gugu Liberato também são exemplos claros.
Chacrinha  e A Grande Família Fonte: Google Images
A programação popular já existia, mas o subúrbio e as comunidades de baixa renda sempre foram retratadas de forma secundária ou fazendo parte dos núcleos cômicos, nunca das tramas dramáticas e principais das novelas, por exemplo. Isto vem mudando nos últimos anos, a exemplo de: Senhora do Destino (2004), em que a protagonista era uma emergente nordestina que sobe na vida, mas fica no subúrbio; Duas Caras (2007), em que Juvenal Antena é o fundador de uma favela onde não há traficantes, só trabalhadores; Fina Estampa (2011), na qual a personagem de Lilia Cabral ganha na loteria, mas não abandona o subúrbio.
A bola da vez são as novelas das 19h e das 21h da Globo: Cheias de Charme e Avenida Brasil já se consolidaram como sucessos de audiência, trazendo tramas que se passam em subúrbios e comunidades, e contam as histórias da Classe C de forma inédita. Na primeira, as personagens principais são um trio de empregadas que se tornam cantoras profissionais e estouram como sucesso nacional, rodeadas por personagens musicais como Fabian (Ricardo Tozzi) e Chayene (Cláudia Abreu), inspirados em cantores do universo tecnobrega e sertanejo atual.
As Empreguetes. Leandra Leal, Isabelle Drummond e Taís Araújo em Cheias de Charme. Fonte: Globo
Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro, vai mais profundo em seu mergulho na vida suburbana: desde à abertura, com a música “Vem dançar Kuduro”, ao palco principal da trama, o Divno, à inversão do núcleo cômico da novela do subúrbio para a elite (a exemplo da personagem Cadinho ), a forma como a novela é filmada e como se diz o texto (por vezes ouve-se burburinhos, vozes se sobrepõem), a trilha sonora, a composição dos cenários; tudo se volta para o popular, de maneira inteligente. A personagem principal, vivida por Débora Falabella, abandonada num lixão quando criança, volta disfarçada para se vingar dos que lhe prejudicaram, e a partir daí a trama se constrói de maneira ágil, sem enrolações, sem noções maniqueístas, com personagens que passeiam entre o bem e o mal, anti-heróis, pessoas comuns. O ambiente de fundo, composto pelo salão de beleza, os  jogadores de futebol, a figura da “periguete”, encarnada por Isis Valverde, são mais provas de que esta não é uma novela que abriga alguns personagens populares, somente, mas encarna e representa a cultura, valores e o universo da Classe C.
Fonte: Veja
O já citado programa Esquenta!, idealizado e comandado por Regina Casé, é o retrato último e sem preconceitos da classe emergente; vai ao ar por temporadas, aos domingos,  e é bem como um almoço de domingo na laje: uma festa, uma reunião de amigos, uma roda de samba e pagode. Formato não-convencional, participações inesperadas, convidados super populares e que intervém quando desejam,  uma platéia que parece ser genuína, e que segundo a própria Regina Casé em entrevista a Meio & Mensagem “não tem modelos contratadas na primeira fila”, mas tem uma capacidade de tratar dos mais diversos e complexos assuntos com leveza e humor, como poucos na tv aberta fazem. É o Brasil se assumindo periférico, suburbano,  popular e divertido sem breguice e afetação, invadindo a programação de uma emissora supostamente tradicional, tal qual a Classe C vem tomando o país.
Essa “nova” classe é forte representante de uma cultura genuinamente brasileira, e a emergência sócio-econômica do grupo provocou mudanças  na mentalidade dessa porção da população, pricipalmente com relação ao lugar que tem conquistado na sociedade. A televisão capta essa mentalidade, deixando de lado as “Helenas” de Manoel Carlos e enfatizando as “Marias”, de Cheias de Charme, retirando a classe C do papel de coadjuvante e colocando-na como protagonista de sua programação. Seja na novela das “empreguetes”, com a dinâmica patroa-empregada sendo posta à prova, ou em Avenida Brasil, onde o caráter e a frieza humanas são complexamente explorados, sem medo do popular, o que há de novo na televisão brasileira é a forma como a história do pobre que está vencendo  na vida é valorizada, de forma despretensiosa e sem esteriótipos; a mídia dá lugar à uma nova cultura, escrita com C, de Classe.



0 comentários:

Postar um comentário

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Best WordPress Themes